domingo, 21 de fevereiro de 2010

Um gênio brasileiro em criatividade: Paulo Barros

"Acreditar, desafiar
Superar os limites do homem
Brincar de Deus, criar a vida
Querer voar e flutuar
"

Fiz um homenagem póstuma em outro post ao estilista inglês Alexander Mcqueen, que tristemente se suicidou no dia 11 de fevereiro desse ano de 2010. E acabei não fazendo um comentário mais do que justo sobre a criatividade e o talento do carnavalesco Paulo Barros, da Unidos da Tijuca.

A escola ganhou o título de Campeã do Carnaval carioca de 2010. E acho que foi mais do que merecido. A comissão de frente foi de uma excepcionalidade histórica. Embora o chatinho do Xexéu tenha implicado com o cara.

O abre-alas, que reproduzia o incêndio que destruiu a Biblioteca de Alexandria,
na Antiguidade, foi brilhante.


A bateria foi inovadora vindo de mafiosa. E estava um calor de derreter no Rio!


Eu não entendo muito de Carnaval. Nem sou tão fã assim da folia momesca, nunca fui fissurada por Carnaval, mas faço parte daquele grupinho que não nega que é um espetáculo indescritível. Só vendo para entender. Eu não morro por uma fantasia para atravessar a avenida. Mas adoro ver a cara de quem gosta desfilando, sambando ou pulando. Seja o que for.

O destemido Paulo Barros,
justiça seja feita,
é um gênio de criatividade.

Simples, visionário e ousado...

Nota 10!

A Unidos da Tijuca ganhou num ano em que fez um calor histórico no Rio de Janeiro, o carnaval de rua foi totalmente ressuscitado, provando que, infelizmente, a cidade não tem estrutura para o tanto de gente que vem brincar nos blocos e Madonna veio assistir aos desfiles no Sambódromo.

Foi um ano em que Copacabana ficou muito mais civilizada do que a praia de Ipanema e a onda foi mergulhar à noite no Arpoador. O Flamengo perdeu a taça GB, o sorvete Itália e o biscoito O Globo continuaram os ícones da estação nas praias, choveu pouco e eu perdi o contato com gente que eu gostava de conversar. Ah! E eu sinto que estou quietinha, em fase de mutação. Melhor ver o que acontece, sem perder o controle das coisas...

Homens que vestem rosa


"Por isso não provoque, não!
É Cor de Rosa Choque..."

Rita Lee

Por pura falta do que dizer,
na mais fútil das observações,
não pude deixar de comentar que:
Adoro homens de rosa.


"Think pink!
Think pink,
it's the latest word, you know.
Think pink!
Think pink and you're Michelangelo."






Especialmente aquelas camisetas de um rosa bebê desbotado, com cara de velhindas.

Homens lânguidos,
com braços definidos ficam lindos de rosa.
Very cool.

"Every stitch you switch!
Think pink!
Think pink on the long,
long road ahead..."



E homens que usam rosa confiam bastante no seu taco para deixar que uma cor os fragilize.

Acho o rosa de uma masculinidade despretenciosamente sensual.

E na mulher de uma feminilidade evidente.

"Everything on the great horizon,
Everything that you can think,
and that includes

the kitchen sink...
Think pink!"

Alexander McQueen smells like teen spirit

""With the lights out it's less dangerous
Here we are now entertain us
I feel stupid and contagious
Here we are now entertain us
A mulatto, an albino, a mosquito,
my libido
Yeah!"
Nirvana

Pegando carona no texto de Erika Palomino...

E lá se vai Alexander McQueen. Deixando um incrível legado. Rebeldia, contestação, inconformismo. Talento, técnica, transgressão. Ele foi encontrado morto em sua casa, em Londres, na manhã de 11 de fevereiro de 2010.

O estilista inglês era um ícone, um dos tradutores do espírito de sua geração. Vai fazer falta. O mundo fica (ainda) mais careta.

Deprimido com a morte da mãe dias antes, e talvez inspirado pelo próprio suicídio da mentora Isabela Blow, que o descobriu, McQueen seguiu este mesmo triste caminho aos 40 anos.


Filho de um motorista de táxi, McQueen aprendeu seu ofício com os mestres alfaiates de Savile Row, daí seu extremo domínio de corte e acabamento. Alfaitaria, punk, militarismo, natureza compõem o vocabulário único de seu estilo.


Criador de imagens, fez vestidos que alcançaram status de obras de arte, mostrados em apresentações que, temporada após temporada, sempre deixavam os fashionistas ansiosos, excitados e, quase sempre, em êxtase.
Expect the unexpected. E o inesperado acontecia.




Foi ele quem transformou Kate Moss em holografia de sonho no inverno 2006.


E criou o circo do terror,
em 2001,
onde bonequinhas do mal
e um carrossel
faziam parte do palco armado
num galpão em East London.





Fora das passarelas,
fez trabalhos com Bjork,lembrando os fugurinos de "Guerra nas Estrelas" e os adornos das mulheres girafas, da Indonésia.






No trabalho com o fotógrafo Nick Kight, para a revista "Visionaire" e a iconográfica imagem da modelo Devon Aoki;


E no ensaio histórico com deficientes na "Dazed & Confused".

Teimoso, radical, iconoclasta, McQueen será lembrado para sempre, como todo artista que deixa uma obra valorizada.

O mais emocionante dos seus desfiles, o do verão de 2004, foi inspirado em "A Noite dos Desesperados", de Sidney Pollack, em 1969.

Com coreografia do enfant terrible Michael Clark (outro cara contemporâneo), as modelos desfilavam as roupas como os participantes da maratona de dança do filme mostram.





Em McQueen o corpo é sempre político, e em suas coleções havia camadas de mensagens, mais ou menos explícitas, para os insiders da moda, para seus críticos e seus fãs.


O "final bow" do estilista aconteceu ao som de Lady Gaga, na primeira vez que o mundo ouviu "Bad Romance".

Depois do clipe, a cantora vestiria as roupas do desfile, marcando os tempos de hoje.
Mais contemporâneo impossível. Um grande legado.

Valeu, Lee McQueen.

"Contemporâneo é aquele que mantém fixo seu olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro. Todos os tempos são, para quem deles experimenta contemporaneidade, obscuros. Contemporâneo é justamente aquele que sabe ver essa obscuridade, que é capaz de escrever mergulhando a pena nas trevas do presente".
Giorgio Agamben, filósofo italiano.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Na Pele de Sócrates (Woody Allen)

"De todos os homens famosos deste mundo, o que eu mais gostaria de ter sido era Sócrates – o filósofo, claro. Não apenas porque ele foi um grande pensador, porque afinal eu também sou capaz de observações profundas, embora as minhas se concentrem basicamente em bundas de aeromoças e preços de geladeiras.



Devo confessar que não sou assim tão corajoso a respeito de morrer ou de manter a força de vontade, considerando-se que, quando ouço um escapamento de carro, salto direto no braço da pessoa mais próxima.

Mas reconheço que a brava morte de Sócrates deu um sentido de autenticidade à sua vida, exatamente o que anda faltando á minha, exceto para o Imposto de Renda. Confesso que, muitas vezes, já tentei calçar as sandálias do grande filósofo, mas não importa o que faça, acabo cochilando e tendo o seguinte sonho:


O que me fascina no mais sábio de todos os gregos é a sua incrível coragem diante da morte. Preferia dar sua vida para mostrar que tinha razão do que abandonar seus princípios, já viram coisa igual?

(A cena se passa em minha cela de prisão. Geralmente, fico na solitária, imerso no seguinte problema: Pode um objeto ser considerado uma obra de arte se também pode ser usado para limpar o fogão? Mas, no sonho, sou visitado por Ágaton e Símias).

Ágaton – Ah, meu velho e sábio amigo! Como vão os seus dias de confinamento?

Woody – Que história é essa de confinamento, Ágaton? Meu corpo pode estar circunscrito a certos limites, mas minha mente vagueia livremente pelo espaço.

Ágaton – Tudo bem, mas e se você quiser dar uma voltinha?

Woody – Boa pergunta. Não posso.

Ágaton – Não sei se estou sendo inconveniente, mas tenho más notícias: você foi condenado à morte.

Woody – Tudo bem, chato foi ter provocado tanta polêmica no Senado.

Ágaton – Polêmica nenhuma, a decisão foi unânime.

Woody – Pensei que estivesse dando mais Ibope.

Símias – O Senado está puto com você por causa daquelas idéias a respeito de um Estado utópico.

Woody – Talvez eu nunca devesse ter sugerido que a gente precisava de um rei-filósofo.

Símias – Principalmente apontando para você mesmo e pigarreando o tempo todo.

Woody - Engraçado, não consigo guardar ódio dos meus executores.

Ágaton – Nem eu.

Woody (Pigarro) – Bem... Ah-ham... Pensando bem, o que é o mal senão o excesso de bem?

Ágaton – Cumé quié?

Woody – Olhe por esse ângulo. Se um homem canta uma bela música, trata-se de uma obra de arte. Mas, se continua cantando por mais 3 horas, trata-se de um pé no saco.

Ágaton – Isso aí...

Woody – Quando serei executado?

Ágaton – Que horas são?

Woody – Hoje???

Ágaton – Parece que sim. Querem que você desocupe a cela o mais depressa possível.

Woody – Está bem! Deixem que me tirem a vida! Saibam que prefiro morrer do que abandonar meus princípios de justiça e de direito para todos. Não chore, Ágaton.

Ágaton – Não estou chorando. Foram umas cebolas que eu descasquei para a patroa.

Woody – Para o homem de intelecto, a morte não é um fim, mas um começo.

Símias – Como disse?

Woody – Deixe-me pensar um pouco.

Símias – O tempo que quiser.

Woody – É verdade, não é, Símias, que o homem não existe antes de nascer?

Símias – Absolutamente verdadeiro.

Woody – Assim como deixa de existir depois que morre, não?

Símias – Isso mesmo.

Woody – Humm...

Símias – E daí?

Woody – Daí que estou um pouco confuso. Você sabe que só me servem carneiro nessa cadeia e muito mal temperado.

Símias – Os homens identificam a morte com o fim, por isso, a temem.

Woody – A morte é um estado de não-ser. O que não é, não existe. Só a verdade existe. Mas, o que é a verdade senão a confirmação de si mesma? Mas, se a morte pode ser confirmada por si mesma, a morte é a verdade. logo existe! Estou frito! Ei, o que eles estão planejando fazer comigo?

Ágaton – Fazê-lo tomar cicuta. Lembra daquele líquido escuro que atravessou a sua mesa de mármore?

Woody – Aquilo?

Ágaton – Basta uma colher. Mas eles terão um frasco inteiro à mão, caso você derrame um pouco.

Woody – Será que vai doer?

Ágaton – Vão lhe pedir que não faça uma cena. Para não perturbar os outros prisioneiros.

Woody – Claro, claro.

Ágaton – Eu disse a eles que você morreria bravamente, para não renunciar aos seus princípios.

Woody – Sem dúvida. Escute, ninguém mencionou a palavra “exílio”?

Ágaton – Desde o ano passado decidiram não exilar mais ninguém. Muita burocracia.

Woody – Olhe, vou ser franco com você: não quero ser executado! Sou muito jovem para morrer!

Ágaton – Mas essa é sua chance de morrer pela verdade!

Woody – Você não entendeu, Ágaton. Sou um apólogo da verdade. Mas é que fui convidado para um almoço em Esparta, semana que vem, e detestaria faltar. É minha vez de levar os drinques. Você sabe como são esses Espartanos. Vivem a fim de brigar.

Ágaton – Será nosso mais sábio filósofo um covarde?

Woody – De jeito nenhum. Mas também não sou herói. Marquem a coluna do meio, sei lá!

Ágaton – Mas não foi você que provou que a morte não existe?

Woody – Olhem, andei provando muitas coisas na vida. Como acham que consigo pagar o aluguel? Umas teorias aqui, outras observações ali, uma frase brilhante de vez em quando, e, às vezes, alguns ditados e máximas. Paga melhor do que colher azeitonas. Mas não vamos exagerar!

Ágaton – Mas você provou tantas vezes que a alma é imortal!

Woody – E é! Pelo menos no papel. Esse é o problema da filosofia: já não funciona tão bem depois da aula, ou seja, na vida real.

Símias – E as formas eternas? Você disse que tudo sempre existiu e sempre existirá!

Woody – Estava me referindo a objetos pesados como estátuas. Com gente é diferente!

Ágaton – E aquele lerolero dizendo que morrer era o mesmo que dormir?

Woody – Eu sei, mas o problema é que, se você está morto e alguém grita “Hora de acordar!”, é difícil encontrar as sandálias embaixo do catre.

(Entra o carrasco com uma taça de cicuta)

Carrasco – Uh-hu! Adivinhem quem chegou? Quem vai tomar a cicuta?

Ágaton (Apontando para mim) – Ele.

Woody – Puxa, é uma dose dupla! Olha, ando com o fígado meio bombardeado...

Carrasco – Beba tudo. O veneno cistuma ficar no finzinho.

(Aqui dizem que meu comportamento costuma ser diferente do de Sócrates e dizem que grito durante o sonho): Não! Por favor! Não quero! Socorro! Mamãe!

(O carrasco me passa uma taça fervilhante, apesar de minhas súplicas, e tudo parece chegar ao fim. Então, talvez devido a um inato instinto de sobrevivência, o sonho muda completamente e entra um mensageiro).

Mensageiro – Parem! Houve uma apelação e o Senado votou de novo. As acusações foram levantadas. Você foi declarado inocente e será publicamente reabilitado!

Woody – Finalmente! Conheceram, papudos? Eles recuperaram o bom senso! Sou um homem livre! E ainda serei reabilitado! Preciso falar com Pitágoras antes que ele resolva aquele absurdo teorema! Mas antes, descreverei para vocês uma pequena parábola.

Símias – Pô, isso é que é um final inesperado. Será que o Senado sabe o que está fazendo?

Woody – A parábola é a seguinte. Um grupo de homes vive numa caverna escura. Nunca viram o sol. A única luz que conhecem é a das velas que usam para iluminar a caverna.

Ágaton – E onde arranjam as velas?

Woody – Bem, já estavam lá e não me amolem.

Ágaton – Vivem numa caverna e têm até velas? Muito estranho...

Woody – Quer ouvir a parábola ou não?

Ágaton – OK, OK, mas anda logo. Está demorando muito.

Woody – Então, certo dia, um dos habitantes da caverna dá um pulinho lá fora e vê o mundo

Ágaton – Sei... E quando volta para contar aos outros, ninguém acredita.

Woody – Não exatamente. Ele não conta aos outros.

Ágaton – Não???

Woody – Não. Em vez disso, abre um açougue, casa-se com uma rumbeira e morre de trombose aos 42 anos.

(Eles me agarram e forçam a cicuta pela minha goela abaixo. Nesse momento, costumo acordar, sobressaltado e só um copo de iogurte consegue me acalmar)".


Texto do Woody Allen para amenizar o excesso de filosofia do post anterior. Acho até que eu vou rever um filminho dele hoje...

Cuidar da alma para cuidar do mundo

"A arte de viver dá fé, só não se sabe fé em quê..." Gilberto Gil

Apresento a livre interpretação da blogueira Luciene Felix, sobre os Diálogos de Platão e as Memoráveis de Xenofonte. Já utilizei um de seus textos aqui, acompanhado de umas imagens que eu gosto de ilustrar nos meus posts. Ela conseguiu interpretar aqueles gregos sem pedantismo algum, de um jeito que eu entendo e gosto.

Pesquisar e estudar sobre Sócrates é difícil por ele não ter deixado nada escrito. Nunca se saberá exatamente o quanto do seu discurso pode ter sido alterado e mexido pelos copistas dos seus discípulos, Platão e Xenofonte, ao longo dos séculos. É o mesmo que ocorre com a Bíblia na minha opinião.

Luciene Felix compilou e mesclou traduções confiáveis feitas diretamente do grego e recorreu a ensaios sobre Sócrates assinados por autores consagrados. O resultado desse trabalho, resumindo os pontos essenciais daquilo que se chama de "a arte de viver" pregada ao homem comum pelo mestre ateniense Sócrates, é um estímulo para se aprofundar no significado do humanismo socrático e descobrir como a prática persistente desse humanismo pode ajudá-lo a encontrar os modos e os meios de viver melhor consigo e com a sua circunstância.

Cuide da alma

A alma, imortal, indestrutível e sempre renascida, razão moral, espírito pensante e sede da consciência, é a manifestação do divino no homem, guiado por ela para examinar com atenção e cautela o que ocorre à sua volta, separando o que realmente lhe diz respeito daquilo que é superficial, banal, desprezível.

Cuidar da alma, missão suprema e indelegável do homem,
é cuidar de si mesmo.


O cuidado de si implica em estar em confluência com o mundo, mas ao mesmo tempo protegido daquilo que perturba a intimidade, buscando na solidão serena, e não na opinião dos outros, a resposta para as dúvidas e a libertação das incertezas.

Cuidar de si mesmo não significa isolar-se no egoísmo e na solidão, mas preocupar-se com os outros em sofrimento, fazendo o possível para amenizar seu infortúnio, é respeitar a cidade onde se vive, como seu fosse a sua própria casa.

Cuidar de si também implica na prática contínua da virtude, sem a qual a possível felicidade é inatingível.

E como virtude e conhecimento são conceitos inseparáveis, quem está mergulhado na ignorância precisa derrotá-la para só assim superar as dificuldades da vida, evitando que ganhem uma dimensão exagerada, paralisante.

Porque o conhecimento, esse valor supremo da vida, faz o homem responder por si mesmo, pelos seus atos, pelo que faz ou deixa de fazer com sua vida, não o deixando esquecer que é, ao mesmo tempo, acusador, defensor e juiz de si mesmo.

"Uma vida que não é continuamente examinada é indigna de ser vivida". Sócrates

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

O Abismo e o Encontro - Carona numa crônica de Martha Medeiros

"Era uma vez um pai e uma filha separados por um abismo. Não conseguiam saltar um para o lado do outro, ficavam apenas imaginando como seria bom se pudessem se abraçar, confidenciar emoções ou dançar juntos. Passaram a vida com este corte no meio, impedidos de se unirem. Até que um dia resolveram acabar com esta distância.

Saltaram ambos, ao mesmo tempo, para dentro do abismo, a fim de se encontrarem lá embaixo, naquele buraco escuro onde temiam defrontar-se com monstros e lagartos.

Mas, ao chegarem lá no fundo, não foi monstro nem lagarto que encontraram, e sim lembranças quase esquecidas, palavras engasgadas, frases que nunca chegaram a ser ditas."

Este é o livro infanto-juvenil chamado "O Pai da Filha e a Filha do Pai". O livro é apresentado como "uma história de amor eterno com abismo no meio e encontro no fim". Começou bonito.

É esta a história contada por Adriana Jorgge com ilustrações de Kiko Farkas, mas que poderia ser contada por tantas outras filhas e também filhos que vivem separados de seus pais por abismos diversos: ou o pai separou da mãe muito cedo e nunca mais apareceu, ou o pai vive pertinho mas não permite intimidade, ou pais e filhos têm uma visão muito diferente da vida e não se entendem, ou o pai tem medo de demonstrar seus sentimentos, ou são os filhos que têm. Cada um sabe a profundidade do corte que a relação sofreu.

No livro, o abismo é gigantesco. Porém, todo abismo começa como um pequeno fosso, ele só se expande porque a gente deixa que isso aconteça, e aí, com o passar do tempo, vira algo aparentemente intransponível. Mas só aparentemente. Havendo intenção de entendimento e um pouco de coragem de ambas as partes, descobre-se que o que afasta mesmo é o silêncio, aquilo que as pessoas deixam para verbalizar apenas no leito de morte: as tais palavras engasgadas e frases que nunca foram ditas.

Há pais que mesmo ausentes em presença física, preservam a sintonia, a cumplicidade, bastando um telefonema para se fazerem presentes. Porém, há abismos por aí, a gente sabe. O livro é uma espécie de convite para pais e filhos saltarem o abismo juntos em busca de aproximação. É um livro infantil, mas, convenhamos, toda separação entre pessoas que se amam é infantil.

E termino esta crônica da mesma maneira que o livro delicadamente termina: Fim (ou começo)". Martha Medeiros

Intervenção minha na crônica da venerável Martha Medeiros que copiei fielmente até aqui com algumas pequenas alterações para adequar no post: "...o que afasta mesmo é o silêncio, aquilo que as pessoas deixam para verbalizar apenas no leito de morte: as tais palavras engasgadas e frases que nunca foram ditas". Eu digo que algumas palavras e frases são ditas e não têm volta, já cumpriram o seu papel de carregar significados e interpretações. Algumas são ditas com a calculada intenção de ferir, outras são puro impulso. Muitas são inesquecíveis. Outras confortantes.

Aquilo que nunca foi dito vai sempre doer mais e pulsar mais exatamente por ter sido calado, sufocado e reprimido para todo o incompreensível sempre, sem chance de revelação. E o que já foi dito, embora determine muito do que se pensa e sente adiante, já se foi, já causou os efeitos que poderia. Palavras. Tantas. Abismos. Encontros. E desencontros.

O Feio que é Belo

Existem feios que são belos. Possuem um encanto que não se traduz. Geralmente é a personalidade que os faz belos aos olhos de quem vê. Paulo Miklos, dos Titãs, é o meu feio belo.

Tá, bonitinho é o Belotto. Inteligente também. Com personalidade idem. Mas tem alguma coisa que o Miklos tem que o Belotto não tem.

Eu gosto do gestual do cara. Do body language dele. Do olhar levemente sarcástico e interrogativo.

"Pra dizer adeus", do show Acústico de 1997, é um momento musical que eu gosto de vê-lo interpretar. Além de ouvir, é claro. Valeu, Miklos. É cedo ou tarde demais. Mas isso não importa agora. A letra é simplezinha e pop pop. Mas eu gostcho.

Olha ele aí no desfile de inverno 2010 da grife Cavalera, na SPFW. Tudo a ver...

Também gosto muito da performance do sujeito no filme "O Invasor". Sou suspeita para falar, reconheço, mas ele realmente deu um show no papel do matador de aluguel que vai invadindo a vida dos contratantes dos seus serviços profissionais. Não fui só eu que achou, não. Por causa do Anisio - o matador - Miklos ganhou o prêmio de ator revelação no 31º Festival de Cinema de Brasília, e nos festivais de Sundance(USA), Miami (USA), Berlim (Alemanha) e Recife. É isso então.

"Você apareceu do nada
E você mexeu demais comigo
Não quero ser só mais um amigo
Você nunca me viu sozinho
E você nunca me ouviu chorar
Não dá pra imaginar quando
É cedo ou tarde demais
Pra dizer adeus, pra dizer jamais

Às vezes fico assim pensando
Essa distância é tão ruim
Por que você não vem pra mim?
Eu já fiquei tão mal sozinho
Eu já tentei, eu quis chamar
Não dá pra imaginar quando
É cedo ou tarde demais
Pra dizer adeus, pra dizer jamais"