sábado, 20 de fevereiro de 2010

Na Pele de Sócrates (Woody Allen)

"De todos os homens famosos deste mundo, o que eu mais gostaria de ter sido era Sócrates – o filósofo, claro. Não apenas porque ele foi um grande pensador, porque afinal eu também sou capaz de observações profundas, embora as minhas se concentrem basicamente em bundas de aeromoças e preços de geladeiras.



Devo confessar que não sou assim tão corajoso a respeito de morrer ou de manter a força de vontade, considerando-se que, quando ouço um escapamento de carro, salto direto no braço da pessoa mais próxima.

Mas reconheço que a brava morte de Sócrates deu um sentido de autenticidade à sua vida, exatamente o que anda faltando á minha, exceto para o Imposto de Renda. Confesso que, muitas vezes, já tentei calçar as sandálias do grande filósofo, mas não importa o que faça, acabo cochilando e tendo o seguinte sonho:


O que me fascina no mais sábio de todos os gregos é a sua incrível coragem diante da morte. Preferia dar sua vida para mostrar que tinha razão do que abandonar seus princípios, já viram coisa igual?

(A cena se passa em minha cela de prisão. Geralmente, fico na solitária, imerso no seguinte problema: Pode um objeto ser considerado uma obra de arte se também pode ser usado para limpar o fogão? Mas, no sonho, sou visitado por Ágaton e Símias).

Ágaton – Ah, meu velho e sábio amigo! Como vão os seus dias de confinamento?

Woody – Que história é essa de confinamento, Ágaton? Meu corpo pode estar circunscrito a certos limites, mas minha mente vagueia livremente pelo espaço.

Ágaton – Tudo bem, mas e se você quiser dar uma voltinha?

Woody – Boa pergunta. Não posso.

Ágaton – Não sei se estou sendo inconveniente, mas tenho más notícias: você foi condenado à morte.

Woody – Tudo bem, chato foi ter provocado tanta polêmica no Senado.

Ágaton – Polêmica nenhuma, a decisão foi unânime.

Woody – Pensei que estivesse dando mais Ibope.

Símias – O Senado está puto com você por causa daquelas idéias a respeito de um Estado utópico.

Woody – Talvez eu nunca devesse ter sugerido que a gente precisava de um rei-filósofo.

Símias – Principalmente apontando para você mesmo e pigarreando o tempo todo.

Woody - Engraçado, não consigo guardar ódio dos meus executores.

Ágaton – Nem eu.

Woody (Pigarro) – Bem... Ah-ham... Pensando bem, o que é o mal senão o excesso de bem?

Ágaton – Cumé quié?

Woody – Olhe por esse ângulo. Se um homem canta uma bela música, trata-se de uma obra de arte. Mas, se continua cantando por mais 3 horas, trata-se de um pé no saco.

Ágaton – Isso aí...

Woody – Quando serei executado?

Ágaton – Que horas são?

Woody – Hoje???

Ágaton – Parece que sim. Querem que você desocupe a cela o mais depressa possível.

Woody – Está bem! Deixem que me tirem a vida! Saibam que prefiro morrer do que abandonar meus princípios de justiça e de direito para todos. Não chore, Ágaton.

Ágaton – Não estou chorando. Foram umas cebolas que eu descasquei para a patroa.

Woody – Para o homem de intelecto, a morte não é um fim, mas um começo.

Símias – Como disse?

Woody – Deixe-me pensar um pouco.

Símias – O tempo que quiser.

Woody – É verdade, não é, Símias, que o homem não existe antes de nascer?

Símias – Absolutamente verdadeiro.

Woody – Assim como deixa de existir depois que morre, não?

Símias – Isso mesmo.

Woody – Humm...

Símias – E daí?

Woody – Daí que estou um pouco confuso. Você sabe que só me servem carneiro nessa cadeia e muito mal temperado.

Símias – Os homens identificam a morte com o fim, por isso, a temem.

Woody – A morte é um estado de não-ser. O que não é, não existe. Só a verdade existe. Mas, o que é a verdade senão a confirmação de si mesma? Mas, se a morte pode ser confirmada por si mesma, a morte é a verdade. logo existe! Estou frito! Ei, o que eles estão planejando fazer comigo?

Ágaton – Fazê-lo tomar cicuta. Lembra daquele líquido escuro que atravessou a sua mesa de mármore?

Woody – Aquilo?

Ágaton – Basta uma colher. Mas eles terão um frasco inteiro à mão, caso você derrame um pouco.

Woody – Será que vai doer?

Ágaton – Vão lhe pedir que não faça uma cena. Para não perturbar os outros prisioneiros.

Woody – Claro, claro.

Ágaton – Eu disse a eles que você morreria bravamente, para não renunciar aos seus princípios.

Woody – Sem dúvida. Escute, ninguém mencionou a palavra “exílio”?

Ágaton – Desde o ano passado decidiram não exilar mais ninguém. Muita burocracia.

Woody – Olhe, vou ser franco com você: não quero ser executado! Sou muito jovem para morrer!

Ágaton – Mas essa é sua chance de morrer pela verdade!

Woody – Você não entendeu, Ágaton. Sou um apólogo da verdade. Mas é que fui convidado para um almoço em Esparta, semana que vem, e detestaria faltar. É minha vez de levar os drinques. Você sabe como são esses Espartanos. Vivem a fim de brigar.

Ágaton – Será nosso mais sábio filósofo um covarde?

Woody – De jeito nenhum. Mas também não sou herói. Marquem a coluna do meio, sei lá!

Ágaton – Mas não foi você que provou que a morte não existe?

Woody – Olhem, andei provando muitas coisas na vida. Como acham que consigo pagar o aluguel? Umas teorias aqui, outras observações ali, uma frase brilhante de vez em quando, e, às vezes, alguns ditados e máximas. Paga melhor do que colher azeitonas. Mas não vamos exagerar!

Ágaton – Mas você provou tantas vezes que a alma é imortal!

Woody – E é! Pelo menos no papel. Esse é o problema da filosofia: já não funciona tão bem depois da aula, ou seja, na vida real.

Símias – E as formas eternas? Você disse que tudo sempre existiu e sempre existirá!

Woody – Estava me referindo a objetos pesados como estátuas. Com gente é diferente!

Ágaton – E aquele lerolero dizendo que morrer era o mesmo que dormir?

Woody – Eu sei, mas o problema é que, se você está morto e alguém grita “Hora de acordar!”, é difícil encontrar as sandálias embaixo do catre.

(Entra o carrasco com uma taça de cicuta)

Carrasco – Uh-hu! Adivinhem quem chegou? Quem vai tomar a cicuta?

Ágaton (Apontando para mim) – Ele.

Woody – Puxa, é uma dose dupla! Olha, ando com o fígado meio bombardeado...

Carrasco – Beba tudo. O veneno cistuma ficar no finzinho.

(Aqui dizem que meu comportamento costuma ser diferente do de Sócrates e dizem que grito durante o sonho): Não! Por favor! Não quero! Socorro! Mamãe!

(O carrasco me passa uma taça fervilhante, apesar de minhas súplicas, e tudo parece chegar ao fim. Então, talvez devido a um inato instinto de sobrevivência, o sonho muda completamente e entra um mensageiro).

Mensageiro – Parem! Houve uma apelação e o Senado votou de novo. As acusações foram levantadas. Você foi declarado inocente e será publicamente reabilitado!

Woody – Finalmente! Conheceram, papudos? Eles recuperaram o bom senso! Sou um homem livre! E ainda serei reabilitado! Preciso falar com Pitágoras antes que ele resolva aquele absurdo teorema! Mas antes, descreverei para vocês uma pequena parábola.

Símias – Pô, isso é que é um final inesperado. Será que o Senado sabe o que está fazendo?

Woody – A parábola é a seguinte. Um grupo de homes vive numa caverna escura. Nunca viram o sol. A única luz que conhecem é a das velas que usam para iluminar a caverna.

Ágaton – E onde arranjam as velas?

Woody – Bem, já estavam lá e não me amolem.

Ágaton – Vivem numa caverna e têm até velas? Muito estranho...

Woody – Quer ouvir a parábola ou não?

Ágaton – OK, OK, mas anda logo. Está demorando muito.

Woody – Então, certo dia, um dos habitantes da caverna dá um pulinho lá fora e vê o mundo

Ágaton – Sei... E quando volta para contar aos outros, ninguém acredita.

Woody – Não exatamente. Ele não conta aos outros.

Ágaton – Não???

Woody – Não. Em vez disso, abre um açougue, casa-se com uma rumbeira e morre de trombose aos 42 anos.

(Eles me agarram e forçam a cicuta pela minha goela abaixo. Nesse momento, costumo acordar, sobressaltado e só um copo de iogurte consegue me acalmar)".


Texto do Woody Allen para amenizar o excesso de filosofia do post anterior. Acho até que eu vou rever um filminho dele hoje...

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