sábado, 4 de julho de 2009

Reflexões sobre a Beleza no Brasil

" A beleza é uma carta aberta de recomendação."
(Arthur Schopenhauer)

Ainda dividindo os estudos da Miriam Goldemberg publicados no livro "Coroas" - aquele que eu ganhei de aniversário de uma amiga verdadeiramente ruiva- e pelo qual eu fiquei completamente fascinada, transcrevo aqui um dos temas do livro, que propõe discutir a idéia da autora de que no Brasil o corpo é um capital.

Vou fazer isso usando imagens de pinturas e xilografias de Matisse e Modigliani. Simplesmente porque expressam beleza e sensualidade - meus objetos de atenção agora.

"Na cultura brasileira contemporânea, determinado tipo de corpo é uma riqueza. Talvez a mais desejada pelos indivíduos das camadas urbanas e também das camadas mais pobres, que percebem "o corpo" como um importante veículo de ancensão social. Nesse sentido, além de um capital físico, o corpo é um capital simbólico, um capital econômico e um capital social. Desde que seja um corpo jovem, sexy, magro e em boa forma, que caracteriza como superior aquele ou aquela que o possui, conquistado, na maioria das vezes, por meio de muito investimento financeiro, trabalho e sacrifício".

A partir dessa idéia, Miriam Goldemberg reflete sobre o significado do envelhecimento feminino na sociedade brasileira. Em uma cultura em que o corpo é percebido como um capital no mercado de casamento, no mercado sexual e no mercado profissional, o envelhecimento torna-se um motivo de forte ansiedade e medo para as brasileiras.

Para o sociólgo Pierre Bourdieu, que inspirou as reflexões da autora, os capitais econômico, cultural. social, político, simbólico e físico são os poderes que definem as probabilidades de ganho num campo determinado. O que leva Miriam Goldemberg a acreditar que o corpo funciona como um importante capital nos mais diversos campos, sendo o corpo um bem simbólico que pode receber valores muito diferentes dependendo do mercado em que está inserido.

Pierre Bourdieu constata que as atitudes corporais consideradas "naturais" são, na verdade, naturalmente "cultivadas". O que se denomina charme, porte, sofisticação, elegância, por exemplo, é a maneira legitimada socialmente de se levar o próprio corpo, de apresentá-lo, de considerá-lo, muitas vezes através da imitação que os indivíduos de cada cultura constroem de seus corpos e comportamentos.

Para Marcel Mauss, há uma construção cultural do corpo, com uma valorização de certos atributos e comportamentos em detrimento de outros, fazendo com que haja um corpo típico para cada sociedade. Esse corpo, que pode variar de acordo com o contexto histórico e cultural, é adquirido pelos membros de uma sociedade por meio da "imitação prestigiosa". Os indivíduos imitam atos, comportamentos e corpos que obtiveram êxito e que têm prestígio em sua cultura.

No caso das brasileiras, as mulheres mais bem-sucedidas e imitáveis são, atualmente, as atrizes, modelos, cantoras e apresentadoras de televisão - todas elas tendo o corpo como capital ou uma de suas mais importantes riquezas.


Antropologicamente, Gilberto Freyre, o autor de "Casa Grande e Senzala", numa matéria entitulada "Uma Paixão Nacional", tenta explicar as raízes culturais da preferência masculina brasileira pela bunda.

Ele comparou as indígenas e as afro-negras, dotadas de nádegas descritas como "notavelmente protuberantes ou salientemente grandes" que não poderiam deixar de provocar o imaginário masculino brasileiro, "sensível à imensidade de provocações frutificadas pela convivência entre essas raças".

O corpo nú das índias e o corpo forte da negra escrava eram desejados e usufruídos pelo corpo hipersexualizado do colonizador português. O encontro entre senhores e escravos no Brasil foi harmonioso e basicamente sexual.

A representação do Brasil como um paraíso tropical e sexual, presente na visão dos estrangeiros e dos próprios brasileiros, se mantém até os dias de hoje, reforçada pelas imagens dos corpos seminus nas praias e ostensivamente expostos durante o Carnaval.

O ideal de beleza miscigenado, defendido por Gilberto Freyre, permanece até os dias de hoje. Mas vem sofrendo um impacto europeizante e albinizante, imposto pelo padrão nórdico, considerando a loirice como um estilo, um jeito de vencer na vida.

Ser loira em um país de morenas é uma maneira de se sobressair e de atender ao gosto colonizado e diversificado do sexo oposto.

Nas últimas duas décadas, a preocupação com o rejuvenescimento cresceu enormemente e novos modelos de mulher passaram a ser imitados: o das mulheres jovens, belas, magras e loiras.

Uma curiosidade maluca beleza:

"Se a sua pele é clara e lisa, pode ser que você tenha níveis elevados de endocanabinóides, uma substância similar ao THC, o responsável pelo “barato” da maconha. Segundo o Journal of the Federation of American Societies for Experimental Biology, assim como o THC protege a planta Cannabis dos raios ultravioleta e das pragas, a versão humana blinda a pele contra bactérias e vírus. Mais pesquisas podem criar cremes à base do composto".

Ah! Eu ainda quero comentar sobre essa coisa de ser genuinamente ruiva. Num país tropical como o nosso, ser ruiva é uma raridade, uma coisa singular. Mas isso dá outro post com certeza.

"Não me amarra dinheiro, não, mas formosura. Dinheiro não, a carne escura. Dinheiro não, a carne dura."
Caetano Veloso, "Beleza Pura"

Um comentário:

  1. Dan,

    Gostei muito deste texto e adorei as imagens. Parabéns.

    ResponderExcluir